Goiás da Gente

Pregoeira é exonerada em meio a pregão milionário em Aparecida de Goiânia

Reportagem de Yago Sales

Quando a pregoeira Marilda Pereira da Silva adentrou a sala destinada ao pregão presencial na Secretaria Executiva de Licitação às 9h do dia 15 de janeiro, ela não sabia, mas seria a última vez que chefiaria o processo milionário de escolha de prestadora de serviços. Discreta, fechada, calada – adjetivos comuns a ela -, Marilda quase não respondeu aos cumprimentos dos representantes das empresas que pleiteavam ao pregão nº 084/2020 naquela sexta-feira.

A pregoeira, que também é advogada e pastora, foi exonerada no dia 22 de janeiro pelo prefeito Gustavo Mendanha, 7 dias depois da reunião de Ata de Continuidade. Entre as cinco reuniões presenciais, onde servidores e representantes das empresas utilizavam máscaras e álcool em gel, cabia à pregoeira arrefecer os ânimos, principalmente de Wener Miranda, representante da Pneus Via Nobre Ltda, a midiática Tropical Pneus.

Servidores da pasta ouvidos pela reportagem ficaram surpresos com a saída de Marilda que, coincidentemente, andava preocupada com o Pregão nº 084/2020. Na disputa, uma queda de braços – entre recursos e acusações – de duas empresas acostumadas a prestar serviços para a Prefeitura de Aparecida de Goiânia – como o Atilados vai contar na próxima reportagem da série “Pneu Furado”.

O certame sob responsabilidade de Marilda prevê o pagamento de R$ 1.499.00,00 milhão para manutenção da frota de automóveis da prefeitura de Aparecida de Goiânia, ou seja, 202 veículos. Desde a publicação do edital, no dia 29 de junho de 2020, uma verdadeira guerra fria se instalou no departamento de licitação, no 1° andar do edifício de 8 mil m² da Cidade Administrativa de Aparecida de Goiânia. Sete andares abaixo da sala onde despacha o prefeito emedebista Gustavo Mendanha.

“A Tropical cuida de tudo”

Doze dias depois de o edital ser publicado, dia 10 de julho, a Tropical Pneus – aquela famosa revendedora Pirelli com o decano jingle com desenho animado de uma dupla e uma moça dançante – redigiu e solicitou, em 18 páginas, impugnação ao texto – em outras palavras, amenizar as regras. Com críticas a itens, reiterou que o edital estabeleceu “exigências técnicas excessivas” e ainda questionou a necessidade para a “comprovação por parte das empresas interessadas”. Na contestação, a empresa reclama, por exemplo, do prazo de entrega de peças no prazo de 24 horas. Ainda segundo o o pedido, a Tropical acusa o edital de direcionamento.

Um dia antes da primeira reunião do certame marcada para o dia 16 de julho, a pregoeira publicou um aviso de que a reunião presencial seria adiantada. Segundo ela, “mediante solicitação da pasta interessada”.

No dia 20 de novembro, quatro meses depois – tempo suficiente para qualquer empresa se adequar ao edital -, a pregoeira publica sua decisão à impugnação da Tropical Pneus. Mantendo o tom que costuma tratar as pessoas pessoalmente, Marilda responde, em tom técnico: “Frisa-se que os questionamentos apresentados pela Pneus Via Nobre LTDA não têm o condão de alterar as exigências solicitadas, pois tratam de mero inconformismo da impugnante”. No documento também consta a rúbrica do secretário Executivo de Licitação, Arthur Henrique de Sousa Braga seguida da frase “Acato os fundamentos apresentados pela pregoeira”.

Indiretamente, a Tropical acredita que o edital foi redigido unidirecionalmente à Automotiva  Auto Peças Ltda-EPP. A Automotiva, inclusive, venceu ao último certame e, agora, tenta continuar prestando os serviços de manutenção à frota.

No dia 4 de dezembro, enquanto técnicos da prefeitura de Aparecida de Goiânia instalavam 538 mil lâmpadas em 14 pontos da cidade para o Natal, representantes das empresas estacionavam os carros em uma das 500 vagas da Cidade Administrativa. Por ali, sempre é possível ver um Guarda Civil Metropolitano espreitando os transeuntes e servidores fumando ou algum vereador à espera de ser ouvido pelo prefeito. Às 9h, Marilda entrou na sala da seção ao lado de outra servidora, Ana Paula de Lima Ribeiro. Elas conheciam um ou outro proponente, que seguravam envelopes com documentos e propostas. Cinco empresas de olho no contrato milionário.

Ali, os envelopes passaram de mão em mão. Ao folhear os documentos da empresa Automotiva Auto Peças LTDA, Wener Miranda da Silva, representante da Tropical Pneus, apontou a falta de documentos. E, ainda, o representante justificou que a Cat do engenheiro da empresa estaria vencido. Mesmo assim, a Automotiva Auto Peças LTDA foi declarada vencedora do certame, para a felicidade de seu proprietário, Leonel Brizola Rosa Filho. Afinal, garantiria mais alguns anos de prestação de serviços à Prefeitura de Aparecida de Goiânia em um contrato que quase dobrou o valor embora não tenha havido um aumento significativo da frota – como o Atilados vai contar em uma outra reportagem da série. A empresa venceu o pregão 043/2015 no valor de R$848 mil reais, que venceu no dia 21 de dezembro do ano passado.

No dia 7 de dezembro, a empresa vencedora foi visitada para saber se respeitava aos aspectos técnicos. Nenhum representante das empresas foi ao local acompanhar técnicos da prefeitura. Na sessão de continuidade marcada para o dia 9, apenas três empresas compareceram ao pleito. Uma ou outra discussão em meio à constatação de que a equipe técnica qualificou a empresa Automotiva Auto Peças LTDA vencedora.

O representante da Tropical Pneus estava decidido a recorrer, acusando a empresa vencedora de não apresentar documentos, como balanço patrimonial. No dia 14 de dezembro, a Tropical Pneus, em um documento timbrado com os bonequinhos – a dupla e a mocinha boca grossa – protocolou o recurso. Quatro dias depois, a Automotiva Auto Peças publicou a contrarrazão.

Após analisar os argumentos e contra-argumentos das duas empresas, a pregoeira inabilitou a Automotiva Autopeças. O clima ficava cada vez mais tenso. Na penúltima seção comandada pela pregoeira Marilda, houve exaltação por alguns participantes. A reunião trataria da visita técnica às instalações da oficina da Tropical Pneus. Em busca de argumentos para manter prestando os serviços, a empresa Automotiva Auto Peças LTDA decidiu que iria recorrer sob o argumento de que a empresa não atende aos requisitos mínimos do edital. Mesmo assim, a leiloeira declarou a Tropical Pneus, em caixa alta, “definitivamente vencedora do certame”.

A  reportagem teve acesso a parte do relatório técnico da prefeitura, que sentiu falta de pelo menos quatro itens mínimos para que a empresa consiga prestar o serviço. São eles: estufa para pintura pressurizada, painel de secagem, caixa de separação de fragmento de pinturas e caixa de separação de derivado de petróleo. Segundo a contestação da empresa Automotiva Auto Peças, a empresa não tem este último item, mas tem uma certidão emitida pela Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma).

O que dizem os citados

A prefeitura de Aparecida de Goiânia, por meio de sua assessoria de imprensa, enviou uma nota protocolar ao Atilados.

Leia o texto:

“Com relação ao Pregão Presencial nº 084/2020, a Secretaria de Administração, por meio da Secretaria Executiva de Licitação, informa que o mesmo está em andamento, ainda em fase recursal.

A secretaria ressalta ainda que todos os atos/decisões relativos as licitações seguem os princípios que regem a Administração Pública, conforme art. 37, da Constituição Federal de 1988 e que os documentos encontram-se disponíveis no portal da transparência do Município de Aparecida de Goiânia.”

A Tropical Pneus foi procurada, mas pediu para falar com o jurídico do site, embora a praxe seja, inicialmente, uma resposta por meio da assessoria de imprensa. “Você investigou a veracidade das informações? Já consultou o processo e leu as contrarrazões que apresentamos ao recurso interposto pela empresa desclassificado”, indagou a assessoria de imprensa.

A Automotiva Peças Ltda não quis se manifestar. A reportagem não conseguiu contato com os responsável da MR Soluções Automotiva, mas não obteve retorno. Também foi procurada a empresa Gyn Automotiva, única empresa que ainda não teve o envelope aberto.

O Atilados procurou a leiloeira Marilda Pereira da Silva em contatos telefônicos e endereços para que ela esclarecesse, além de sua demissão repentina, algumas informações sobre supostas pressões para direcionar o pregão. Ela, porém, não foi encontrada.

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