Operação mirando deputado aliado de Bolsonaro ocorre em momento de tensão com o Judiciário
A Polícia Federal cumpriu nesta quinta-feira (25) mandados de busca e apreensão numa investigação sobre o suposto uso político da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) contra adversários políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O principal alvo da operação é o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Abin e pré-candidato à prefeitura do Rio de Janeiro. A PF chegou a pedir a suspensão do mandato do parlamentar, mas a medida não teve a concordância da PGR e foi negada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.
As suspeitas que vieram à tona na operação de hoje causaram reação política em Brasília, com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, falando em “um dos maiores escândalos da história” e a “ponta de um novelo que envolveu dezenas de milhares de pessoas”.
Em outra mão, o caso deve causar ainda mais tensão na relação de parte do Congresso com o Supremo, já que foi a segunda operação em pouco mais de uma semana com buscas dentro da sede do Legislativo. Bolsonaristas tentam articular medidas para rever os poderes do STF na volta do recesso, em fevereiro, e dizem que há perseguição política.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) escreveu em rede social: “Mais um capítulo da ditadura do Judiciário. Cabe ao Senado brecar esta perseguição e preservar as liberdades”.
A PF mira o uso pela Abin do software espião FirstMile, de fabricação israelense, e apura se a agência produziu relatórios sobre ministros do STF e opositores de Bolsonaro. Em outra frente, a investigação encontrou indícios de que a Abin atuou para fornecer informações sobre investigações em andamento para Jair Renan e Flávio Bolsonaro, filhos do ex-presidente.
O deputado Ramagem negou qualquer utilização ou relação com softwares de espionagem da Abin.
“Nenhum plano de operação, em três anos de Abin, assinado por mim, colocava a utilização do FirstMile [como um pedido]”, disse o deputado, em entrevista à GloboNews, nesta quinta.
Um dos casos citados na investigação de monitoramento foi o do hoje ministro da Educação, Camilo Santana (PT), que foi governador do Ceará. Trecho da decisão cita relato de que um dos policiais investigados teria sido flagrado pilotando um drone nas proximidades da casa do então governador.
No documento em que autorizou buscas e apreensão, Moraes afirma ainda ter havido monitoramento ilegal da promotora responsável pela apuração do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes.
“Ficou patente a instrumentalização da Abin para monitoramento da promotora de Justiça do Rio de Janeiro e coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados perpetrados em desfavor da vereadora Marielle Franco e o motorista que lhe acompanhava”, escreveu Moraes.
A operação, batizada de Vigilância Aproximada, investiga uma “organização criminosa que se instalou na Abin com o intuito de monitorar ilegalmente autoridades públicas e outras pessoas, utilizando-se de ferramentas de geolocalização de dispositivos móveis sem a devida autorização judicial”.
O programa investigado pela PF tem capacidade de obter informações de georreferenciamento de celulares. Segundo pessoas com conhecimento da ferramenta, não permite acesso a conteúdos de ligação ou de trocas de mensagem.
“Esses eventos dão a conhecer a existência do que a representação [policial] denomina de uma Abin paralela, utilizada para colher dados sensíveis sobre autoridades e agentes políticos relevantes”, escreveu o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
De acordo com a PF, a “Abin Paralela” criada na gestão Ramagem tentou atrelar Moraes e o também ministro do STF Gilmar Mendes à facção criminosa PCC.
Para a corporação, as informações sobre a tentativa de ligar os ministros ao PCC foram encontradas em documentos apreendidos na Abin.
“O arquivo Prévia Nini.docx mostra a distorção, para fins políticos, da providência, indicando a pretensão última de relacionar a advogada Nicole Fabre e os Ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital – PCC, alimentando a difusão de fake news contra os magistrados da Suprema Corte”, disse a PGR sobre os documentos achados pela PF.
A PF afirma que a Abin sob Ramagem também se valeu do software FirstMile para monitorar o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e a ex-deputada Joice Hasselmann.
O monitoramento investigado na operação, diz a PF, foi feito pelo agente federal Felipe Arlota, um dos alvos que foi afastado do cargo por decisão de Moraes. O policial é próximo do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho de Bolsonaro.
Os policiais também investigam suposto uso da agência para favorecer Flávio e Jair Renan.
No caso do filho mais novo de Bolsonaro, a Abin teria atuado para ajudá-lo, já que ele era alvo de investigação pela PF sobre as relações com empresas que mantinham e tinham interesse em contratos com o governo federal.
Agentes da Abin tentaram atrapalhar a investigação e coletar informações com o objetivo evitar “riscos à imagem” de Bolsonaro.
Um policial federal lotado na Abin chegou a seguir um dos alvos da investigação, que, desconfiado, acionou a Polícia Militar.
O policial foi ouvido pela PF e confirmou que trabalhava diretamente com Ramagem e que recebeu a missão de levantar informações sobre o caso investigado.
Flávio, por sua vez, teria sido beneficiado com a atuação da Abin para levantar informações contra auditores da Receita Federal.
O filho de Bolsonaro à época era investigado no caso da rachadinha da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) e tentou apontar irregularidades na Receita como forma de anular a apuração.
Após uma reunião das advogadas de Flávio com Bolsonaro, agentes da Abin teriam produzido relatórios sobre com o senador deveria atuar para se livrar das investigações.
No documento, encaminhado para a defesa de Flávio Bolsonaro por mensagem de aplicativo, eram apontados caminhos a serem seguido pelo senador para desmontar as acusações que pesavam contra ele.
Em nota, Flávio Bolsonaro disse ser mentira que Abin tenha atuado para favorecê-lo. “Isso é um completo absurdo e mais uma tentativa de criar falsas narrativas para atacar o sobrenome Bolsonaro”, afirmou.
Advogado de Jair Renan, o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral Admar Gonzaga disse à Folha que o filho mais novo de Bolsonaro “não tem nada para esconder que precise de atuação de quem quer que seja, sobretudo de forma ilegal”.
Ele também classificou a apuração que envolve Jair Renan como “obra de ficção” e “narrativa que não tem pé nem cabeça”. “Não foi comprado o equipamento na época do [ex-]presidente Bolsonaro. O que eu estou vendo é especulação política sobre essa questão”, declarou.
A ação desta quinta é um desdobramento da Operação Última Milha, deflagrada em outubro de 2023 para investigar o uso do FirstMile. Nessa nova fase, o foco principal são policiais que atuavam na Abin, em especial no CIN (Centro de Inteligência Nacional), estrutura ligada ao gabinete de Ramagem na agência durante o governo Bolsonaro.
Ao todo, sete policiais federais foram alvo da ação e foram afastados dos cargos públicos.
Além de Ramagem, ao menos dois agentes da PF, Marcelo Araújo Bormevet e Felipe Arlotta Freitas, são alvo das medidas desta quinta. O delegado federal Carlos Afonso Gonçalves, ex- chefe do CIN, também foi afastado do cargo.
O ex-diretor da Abin teria sido corrompido por dois oficiais da Abin que ameaçaram divulgar o uso do software espião após a agência cogitar demiti-los em um processo administrativo interno por participação em uma fraude licitatória do Exército.
Em entrevista para a GloboNews, Ramagem negou todas as acusações e disse que há uma “salada de narrativas”, sem conjunto de provas, e que nunca utilizou, teve acesso ou sequer teve as senhas do FirstMile.
“Nunca tivemos a utilização, execução, gestão ou senha desses sistemas”, disse, se referindo a ele e sua equipe direta.
Sobre a possibilidade de uso irregular da ferramenta de espionagem, afirmou: “Se o policial usa a arma equivocadamente, não é culpa do diretor-geral. Se a Receita [Federal] tem um novo sistema e utiliza errado, não é culpa do diretor-geral da Receita”.
fonte: maisgoias