Criticado por especialistas por favorecer candidatos ricos e mais instruídos, o modelo vigente de certames deve ser revisto e aprimorado, com possibilidade de testes psicotécnicos e provas on-line.
Condenado por especialistas, o modelo vigente de concurso público, que privilegia quem tem condições financeiras e disponibilidade para estudar, pode estar com os dias contados. As regras devem ser alteradas significativamente, como forma de democratizar a distribuição de vagas a candidatos com menor poder aquisitivo, ampliar a concorrência e permitir escolhas mais eficientes aos futuros servidores. O governo federal está avaliando as possibilidades de modernização dos processos seletivos e já anunciou que pretende incluir novas formas de avaliação, além de lançar mão de instrumentos tecnológicos em algumas fases ou durante todo o processo dos certames.
O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos vem tratando o tema em frequentes reuniões internas. Entre as propostas, destaca-se a adoção de uma lei mais abrangente, que permita o uso de tecnologias avançadas, que garantam a realização de certames total ou parcialmente a distância, de forma on-line ou em plataformas eletrônicas, com acesso individual e seguro e em ambiente controlado, desde que seja garantida a igualdade de acesso.
Os requisitos mínimos para realização das provas devem seguir o modelo existente, tanto para avaliações escritas como para provas objetivas, orais ou dissertativas. No entanto, as comissões responsáveis poderão definir novas etapas.
O governo pretende instituir, ainda, avaliações específicas para verificar o grau de comprometimento e até mesmo a saúde mental dos candidatos. Na avaliação de competências, por exemplo, serão analisados aspectos comportamentais em entrevistas, análise psicológica e testes de aptidões cognitivas. Para verificar as habilidades será observada a aptidão física para o exercício do cargo e simulação de tarefas afins. As regras, caso sejam permitidas, valerão apenas para novos concursos.
Aprovado em agosto de 2022 na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 2258/2022, que moderniza o processo dos concursos públicos, abrange, além da União, estados e municípios. Engavetado na gestão anterior, a medida voltou a tramitar e segue para votação no Senado.
O coordenador do Núcleo de Inovação da Função Pública da FGV São Paulo, Conrado Tristão, também observa que as prioridades dos concursos públicos estão centradas na memorização de conteúdo frente a outras habilidades e competências, favorecendo candidatos com melhores condições financeiras, que podem passar anos se dedicando a cursos preparatórios até serem aprovados em algum concurso, ainda que não tenham vocação para o serviço público.
“Nosso atual modelo de concursos tende a reforçar desigualdades sociais no serviço público. Isso porque as avaliações têm priorizado a memorização de conteúdo, em detrimento de outras habilidades e competências. O efeito perverso desse modelo é a exclusão de candidatos que, apesar de apresentarem as habilidades e competências necessárias, não têm a mesma disponibilidade financeira para se dedicar à memorização de conteúdo”, pondera Tristão.
Especialista em projeto de lei, a economista Helena Wajnman afirma que o atual modelo de aplicação do concurso público é desigual, pois favorece pessoas que têm recurso financeiro e tempo disponível para estudar. A diretora da República.org — instituto dedicado a melhorar a gestão de pessoas no serviço público do Brasil —, defende que o processo deve ser mais “representativo” para a população, abrindo as portas do serviço público a grupos historicamente sub-representados.
Wajnman observa que, além da prova tradicional de conhecimento e o acréscimo de avaliação psicológica, esses processos seletivos devem valorizar, sobretudo, a competência e a vocação dos candidatos. “Os editais precisam trazer critérios bem desenhados. Além disso, é muito importante que haja no processo, formalização e motivação de todo concurso, com nomeação de comissão apta a promover as análises necessárias” afirma.