Não é mais tão raro encontrar adultos que, ao receber a recomendação, afirmam que optaram por não vacinar a criança, rejeitando os imunizastes indicados.
Vacinas infantis fazem parte do dia-a-dia do pediatra. O especialista recomenda vacinas de acordo com o calendário de cada país. No Brasil, temos um calendário bem completo. Até há alguns anos, esta rotina era bastante tranquila na maior parte dos consultórios. Os pais ou responsáveis traziam as crianças, o pediatra checava a carteirinha, a idade e indicava as próximas doses.
Recentemente, este cenário mudou e pegou muitos médicos de surpresa. Agora, não é mais tão raro encontrar adultos que, ao receber a recomendação, afirmam que optaram por não vacinar a criança, rejeitando alguns dos (ou todos os) imunizantes indicados.
Pesquisa realizada pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) mostrou que um terço dos pais e responsáveis não acredita que as vacinas de Covid-19 sejam realmente capazes de proteger as crianças da forma grave da doença, e mostram-se bastante preocupados com a doença em si. Também mostram preocupação com doenças como meningite, pneumonia, pólio, dengue e hepatite, mas ignoram que vacinas podem prevenir estas doenças, completamente ou em suas formas graves.
O pediatra não foi preparado para lidar com este cenário. Apenas reafirmar que vacinas são seguras e eficazes pode não ser suficiente. É preciso entender de onde vêm as dúvidas, os medos, as inseguranças. E para isso, é preciso uma perícia que não costuma constar do currículo da faculdade de medicina: como lidar com hesitação e recusa vacinal.
Por isso, o Instituto Questão de Ciência (IQC) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) ofereceram, no final de março, um curso imersivo para representantes regionais da SBP. Apresentamos técnicas de combate à desinformação, identificação de falácias lógicas e como desmenti-las, como investigar a fonte da desinformação e o mais importante, estratégias para que os profissionais de saúde possam “vacinar” seus pacientes contra o negacionismo.
Além desse treinamento, tanto o IQC como a SBP enfatizaram a necessidade de um diagnóstico preciso para a hesitação vacinal. Para isso, as instituições realizaram uma pesquisa com mais de 900 pediatras, que responderam a um questionário sobre quais as dúvidas e dificuldades mais comuns encontradas no ambiente do consultório, e também sobre dúvidas do próprio médico. A pesquisa ainda não foi publicada, mas alguns dados preliminares são bastante preocupantes.
A maioria dos pediatras relatou ter recebido muitas dúvidas sobre a segurança das vacinas e comunicação de medo de efeitos colaterais, principalmente sobre as vacinas de Covid-19, que apareceram em 82% das respostas. A fonte mais apontada para desinformação foram mídias sociais (31,86%) seguidas de mídia em geral (17,97%), internet (12,88%), fake news (11,3%) e mensagens no WhatsApp (9,94%). Uma análise mais detalhada dos resultados sugere que a desconfiança das vacinas de Covid pode ter contribuído para aumentar a desconfiança em vacinas como um todo.
Esta não é obviamente a única – e provavelmente nem a principal – causa da queda das coberturas vacinais no Brasil: problemas logísticos, campanhas de comunicação ineficazes e outros entraves são (no momento) mais salientes. Mas é um fator relevante, e que requer treinamento e atenção especiais.
O médico pediatra precisa estar preparado para esta nova realidade: a de que vai servir a uma população onde se encontra um número não desprezível de pessoas que perderam a confiança na vacinação. Reconquistar esta confiança não será fácil, e para isso é preciso compreender as causas do fenômeno, e usar as melhores ferramentas. Comunicação e educação científica fazem parte da prática médica e da relação de confiança entre médico e paciente. Já é hora de fazerem parte do treinamento médico também.
fonte: g5news