Inquérito instaurado para investigar a prática de estelionato
Depois de enganado em uma proposta para utilização de sua propriedade para construção de um polo industrial, idoso de 74 anos conta os detalhes ao Atilados: ele cita a presidente da Comissão Nacional do Idoso do Ibdfam, ex-juíza Maria Luiza e o presidente do Sindicato do Arroz, Jerry Alexandre de Oliveira Paula e proprietário do grupo All Nutri Alimentos Ltda
Por Anna Gabryella Alves, Gabriella Braga, Leonardo Belloni e Yago Sales
De dono de uma fazenda avaliada em R$ 11 milhões em Hidrolândia, a 35 km de Goiânia, Divino Raul Paula e Souza, de 74 anos, passou a ter que percorrer as ruas do município atrás de latinhas para complementar o salário mínimo que recebe de aposentadoria. Com o que sobra do custeio dos medicamentos da esposa, Aurelina Francisca Cunha, 56, o casal come apenas o básico. A geladeira não é mais aquela de quando Divino alugava o pasto, que dava uma renda em torno de R$ 4 mil por mês.
Do trabalho na roça desde pequeno, do qual a herança na velhice são dois dedos decepados, e a economia de uma vida sem luxo, comprou a Fazenda Serra Verde. Em 2019, tudo mudou. Sérgio Rubens Ribeiro – ligado ao escritório de Maria Luiza Póvoa Cruz – procurou Divino com uma oferta de um projeto bastante atrativa.
A proposta parecia bem simples: Divino cederia sua terra para a implantação de um polo industrial e em troca receberia uma quantia mensal, além de continuar com parte da terra. “Eu entrei nesse negócio com a proposta de ceder seis alqueires para fazer o projeto [o suposto empreendimento] e ficaria com 40% de lucro [do suposto polo industrial] e o resto da fazenda”, conta.
No entanto, o empreendimento não aconteceu. Depois de ser convencido por Sérgio a ceder parte da fazenda, Divino teve a propriedade transferida à Cincopar Participações Ltda, de Jerry Alexandre de Oliveira Paula – presidente do Sindicato da Indústria de Arroz de Goiás e proprietário da All Nutri Alimentos, empresa que produz os famosos arroz e feijão Barão – sem o pagamento de qualquer quantia, já que, como relata Divino, a fazenda não estava à venda.
A equipe do Atilados teve acesso com exclusividade ao inquérito policial que investiga o suposto estelionato. Instaurado na delegacia de Hidrolândia, o caso foi encaminhado para três delegacias antes de ser enviada à Divisão de Assessoria Técnico-Policial, que remeteu à Superintendência de Polícia Judiciária antes de retornar o inquérito à delegacia de Hidrolândia. Essa mudança djá dura 10 meses desde a abertura do inquérito, em 28 de fevereiro de 2020.
Caso
Entre os suspeitos de envolvimento na fraude está o filho da ex-juíza e administrador do escritório, Valdemiro Saraiva da Cruz Neto, conhecido como Miro Cruz. Foi ele que solicitou o serviço do corretor de imóveis Marcus Flexa Medeiros para a escrituração da fazenda, inicialmente em nome da Cruz Apoio Administrativo Eireli, de propriedade de Valdemiro.
Por problemas de contabilidade, já que a Cruz Apoio Administrativo Eireli não possuía capital suficiente, o corretor foi orientado por Miro a transferir a propriedade rural à Engecruz Engenharia Ltda, que, à época, tinha como sócios Valdemiro e a esposa, Camila Soares Reis Cruz.
Outra vez, pelo mesmo motivo alegado, a solicitação foi transferir o imóvel à Cincopar Participações Ltda, que consta como sócios Jerry Alexandre de Oliveira Paula e Gustavo Lotti de Oliveira Paula. “Era pra passar pra um negócio [empresa do filho da ex-juíza, Valdemiro] e depois passaram para o dono do feijão Barão [Jerry], na hora eu nem vi para quem estava passando o documento. Eu só assinei”, relata Divino. O Atilados procurou o corretor de imóveis, mas a mulher dele informou que ele não comentaria sobre o assunto.
Por outro lado, o escritório de advocacia de Maria Luiza trataria do suporte jurídico do empreendimento. No entanto, o nome da advogada não consta no inquérito policial.
Cartório Silva vocês encontraram o Sergio. De manhã.
“Assinei sem ler a escritura da minha família”
Escritura
Com a documentação completa, Divino compareceu ao cartório para assinatura da escritura. Sem total conhecimento, como consta nos autos, o idoso acabou assinando um termo de compra e venda do lote, além do recibo de R$ 1 milhão – para simular a compra do imóvel –, dinheiro este que nunca recebeu. O corretor de imóveis Marcus Flexa alegou, em depoimento, que foi orientado pela ex-juíza Maria Luiza Póvoa a emitir o recibo. “Não estava à venda, eu não queria vender”, reclama o idoso.
Divino narra que no ato da assinatura da escritura não se encontrou com ninguém da assessoria jurídica e da Cincopar, assinando de boa fé. Em inquérito policial, a escrevente que esteve presente no momento da assinatura confirmou que ambos não se encontraram no local, diferentemente do que consta na contestação da ação de Jerry Alexandre, que alega que ambos só se viram no cartório.
Foi só um mês depois da assinatura dos documentos, quando foi expulso de sua terra, que o aposentado percebeu que havia caído num golpe. “Nem uma fruta eu peguei, perdi tudo”, e complementa: “Acreditei e caí, aí depois que fez isso me expulsaram de lá, não recebi um tostão, nada”.
Os negócios com Jerry Alexandre, presidente do Sindicato do Arroz
Conhecido não somente como proprietário da All Nutri Alimentos, responsável pela fabricação do feijão e arroz Barão, Jerry Alexandre ocupa ainda a presidência do Sindicato do Arroz do estado de Goiás. A sua relação com a família é bem próxima, especialmente com o filho da advogada, Valdemiro Saraiva da Cruz Neto. Amigo e parceiro de negócios, o empresário financia as corridas caríssimas de Valdemiro na Mercedez-Benz Challenge, através da empresa Dolce Mix.
A situação passou a ser ainda mais difícil para o aposentado porque a terra foi alienada pela Cincopar, ao fazer um projeto de financiamento junto ao Itaú no valor de R$ 10 milhões.
Toda vez ao falar sobre a advogada, a voz de Divino começa a se exaltar. “Para que uma ex-juíza fazer uma situação dessa? Qual o motivo? Ela ao invés de dar exemplo tá dando essa lambança. Isso é um absurdo!”. A indignação é ainda mais estrondosa porque a advogada é presidente da Comissão Nacional do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibfam Brasil). “Uma presidente dando golpe nos outros, que situação, né?”, briga.
Desde o começo do ano, com cerca de 10 meses de andamento, um entrave jurídico se formou. Mas Divino se mantém confiante, ou pelo menos tenta demonstrar. “Isso aí para essa Maria Luíza é muito pior, ela tá pagando e vai pagar mais caro, agora é que vai começar a arder mesmo, eu tô sentindo.”
A tristeza e a raiva tomaram conta de Divino por um tempo, fazendo com que ele parasse no hospital duas vezes.
“Quatro latinhas dá um pão, dá 20 centavos. Porque se você comprar o pão de manhã é um preço, ‘cê vai lá agora é 60% mais barato. É o mesmo pão de manhã, uai! Eu pego os de agora que aí dá mais.”